O segredo do sucesso de Missão Impossível na TV e no cinema
Como uma franquia marcada pela Guerra Fria virou fenômeno contemporâneo nas mãos de Tom Cruise

Se hoje Tom Cruise tem nas mãos uma das franquias mais lucrativas de todos os tempos no cinema, teoricamente fechando sua última e oitava edição, muitos lembram que ele pegou carona em uma marca já popular e até icônica, a série de TV, Missão: Impossível.
A série que ficou no ar de 1966 a 1973, voltando brevemente ao ar em uma rápida tentativa de reviver no final dos anos 1980s, com duas temporadas entre 1988 e 1989. Precisou um astro do calibre Cruise para transformá-la em lendária.

Ao longo dos últimos quase 30 anos, o astro americano não apenas apresentou a franquia para novas gerações, a re-escreveu enquanto acumulava bilhões nas bilheterias, amarrando os oito filmes e trazendo maior complexidade para os personagens fixos, vilões e mocinhos. Missão: Impossível – Acerto Final, o capítulo mais recente (e supostamente conclusivo), infelizmente, não é o melhor da franquia, mas reúne com competência os elementos que a consagraram: drama, suspense, algum humor e sim, Tom Cruise desafiando a gravidade e a mortalidade.
A trama, em tese simples, gira em torno da Inteligência Artificial chamada “A Entidade”, que Ethan Hunt precisa destruir antes que ela domine e acabe com a Humanidade. Sim, tem um forte teor messiânico.
Embora soe infantil, essa simplicidade é fiel à Missão: Impossível original, criado no período pós 2ª guerra mundial, em que a ideologia binária dividia o planeta entre “comunistas” e “capitalistas”. Um período onde a ameaça de uma Guerra Nuclear impactava todas as histórias, por isso mesmo o gênero de espionagem ganhou fôlego na cultura popular.
Na Inglaterra, James Bond saiu da literatura para o cinema e logo virou febre cultural. Percebendo a oportunidade, o showrunner Bruce Geller levou para CBS a proposta de acompanhar a aventura de espiões tão incríveis que eles formavam uma agência ultra secreta, mais do que a CIA. Era Força de Missões Impossíveis (FMI), onde as missões eram tão perigosas que os agentes tinham a opção de recusar o trabalho, sempre ultra arriscado. Se fossem pegos, estariam sozinhos. Obviamente eles nunca recusaram um único desafio.
Em Missão: Impossível, a versão da TV, a pequena equipe de agentes secretos do governo usava de métodos sofisticados para enganar, manipular e alcançar seu objetivo, frequentemente sendo algo ligado a impedir governos hostis da Cortina de Ferro, ditadores ou bandidos de dominarem o mundo. Na primeira temporada, Dan Briggs (Steven Hill) liderava a equipe, mas, já na segunda fase, entrou o chefe mais famoso de todos, Jim Phelps (Peter Graves), que assumiu o comando por seis temporadas e virou a grande estrela da série. Para cada missão é permitido contratar agentes independentes, que seriam mais adequados para o trabalho, mas tanto Briggs como Phelps geralmente chamam os mesmos especialistas, formando um time excepcional. O elenco contou com astros como Martin Landau, que entrou para uma participação especial e acabou entrando para elenco fixo. Ele interpretava Rollin Hand: ele era o ator da equipe, especialista em disfarces e mais conhecido como “homem de um milhão de rostos” (e mais tarde seria a semente para Tom Cruise transformar em Ethan Hunt).

Já Barney Collier, interpretado por Greg Morris, é a origem de Luther Stickwell (Ving Rhames), o gênio da eletrônica. Além deles também tinha Willy Armitage (Peter Lupus), um halterofilista recordista mundial, e a modelo e atriz Cinnamon Carter, interpretada por Barbara Bain (na época casada com Martin Landau) que rendeu à atriz nada menos do que três Emmy’s pelo papel.
Como muitos conteúdos dos anos 1970, para alimentar o mistério, a identidade da agência que supervisiona a Impossible Missions Force (FMI) nunca é revelada, apenas sugerida como um órgão independente do governo americano, reforçado na clássica deixa de todo briefing que repete “Como sempre, se você, ou qualquer membro de sua equipe, for capturado ou morto, o Secretário negará qualquer conhecimento de tais ações“, algo que no filme Nação Secreta (Rogue Nation), o agente William Brandt (Jeremy Renner) também usa.
Suspense foi a arma-secreta de Missão: Impossível na TVAlgumas das ‘inovações’ da narrativa de Missão: Impossível fizeram da série algo extremamente moderno para sua época. No conceito de Bruce Geller, não era preciso e até mais interessante, não acompanharmos as vidas pessoais de cada personagem, só os víamos em ação — fórmula que, décadas depois, se tornaria tendência em muitas séries contemporâneas.

Outro conceito pioneiro foi de usar o tempo como elemento de suspense, criando a ansiedade pela impossibilidade aparente do que precisavam fazer.
Além disso, para cada episódio poderiam formar equipes diferentes, dessa forma, quando o elenco original foi sendo alterado, não havia grandes necessidades de explicações. Estrelas convidadas faziam participações especiais como agentes específicos e o uso das máscaras permitia o desaparecimento dos principais por episódios completos sem grande explicação. Ao contrário, o momento em que se revelava que era Rollin Hand tirando a máscara de outro homem sempre o mais esperado pelos fãs.
O momento de virada com Tom Cruise
No final dos anos 1980 houve uma tentativa de reviver a série, mas durou apenas duas temporadas. Foi por isso que, quando Tom Cruise foi resgatar Missão: Impossível no final dos anos 1990, muitos ficaram surpresos, até porque na época ele não era o super produtor de hoje e havia ceticismo de sua atuação nos bastidores. Um equívoco que logo seria desfeito. Primeiro, Cruise mostrou inteligência ao recrutar Brian DePalma para dirigir o longa e combinar com ele que deliberadamente eles deveriam explorar o que estava matando o gênero espionagem: o fim da Guerra Fria. Sem o conflito entre grandes potências, para que existiriam espiões? James Bond passou pelo mesmo desafio.

Mesmo com o estrondoso sucesso do primeiro filme, fãs tradicionalistas de Missão: Impossível ficaram ofendidos por vários detalhes que iam desde não contemplar nenhum dos agentes clássicos do original, e, ainda mais ofensivo, ver o tratamento dado a Jim Phelps, que foi transformado em vilão corrupto.
Mas Cruise queria marcar a nova fase de Missão: Impossível, de nostálgico, ficou apenas o tema da série que é tão clássico que é impossível (sem trocadilhos), resistir.
O poder viral (e atemporal) de uma boa trilha-sonora
Uma das melodias mais famosas de todos os tempos do cinema, a trilha de Missão: Impossível foi escrita por Lalo Schrifrin. O compasso incomum escolhido pelo compositor é lendário e, segundo explicou, é inspirado no código Morse para criar o ritmo. Merecidamente ganhou dois Grammy Awards: o de Melhor Tema Instrumental e de Melhor Trilha Sonora Original para um Filme ou Programa de TV.
Outros elementos do original mantidos por Cruise são o estilo de abertura de créditos, como o fósforo e o pavio acendendo um fusível mesclados com imagens do episódio que está para começar e – claro – a missão sendo oferecida à equipe por meios inusitados de gravações que se autodestroem.

O fim da franquia de Missão: Impossível?
Há muita sugestão – reforçada pelo título de Acerto Final – de que esse seja o último filme da franquia. Como Cruise está chegando aos 63 anos em 2025, e não abre mão de filmar as cenas perigosas sem dublê, falar de ‘fim’ me soa mais uma “impossibilidade” de bastidor (algo como um seguro de vida inviável).
Em 1996, seu desejo era fazer um único filme. O sucesso estrondoso o levou a fazer a continuação quatro anos depois, e, a boa recepção da sequência, culminou em uma trilogia. A essa altura, o personagem Ethan Hunt virou um “Michael Corleone da Espionagem”: quanto mais ele tenta sair desse sistema, mais o puxam de volta.
Desde 2011, Ethan vem anunciando uma aposentadoria nos filmes. Chegou a se casar e viver uns anos de vida civil, mas, desde que foi dragado de volta, se divorciou e passou a viajar solo pelo mundo, com uma equipe enxuta e fiel. E chegamos com 2025 mais uma vez com a sugestão de que essa será a “última” aventura. Já estamos céticos.
Talvez seja mesmo esse o segredo de Missão: Impossível: um herói que insiste em não desaparecer, mesmo quando tudo indica o contrário.

Ethan Hunt não apenas sobrevive ao tempo, às ameaças globais e às próprias crises existenciais — ele se adapta. Como a própria franquia encontrou nova vida ao se assumir como espetáculo — físico, cinematográfico e emocional, talvez a verdadeira missão impossível seja convencer Tom Cruise — ou o público — de que Ethan Hunt deve parar.